«Valéria sente-se em choque. Não esperava. Ou melhor, nem sequer pensava nisso… Enfim, o dia a dia ia seguindo: as crianças por cuidar, o trabalho a chamar por si. A restante família a pedir atenção. Namoravam? Ansiavam um pelo outro? Não, na verdade não. O tempo era reduzido, e quando havia era para a televisão, ou até talvez um livro. Não esperava. Via nele alguém que estava por ali, um amigo, alguém com quem partilhou muita coisa boa, algumas chatices, algumas mágoas…
Pensando
bem, andavam distantes. Só falavam do dia a dia. Das compras, da casa, das
filhas…
Diz que
devem tentar uma nova oportunidade. Que o tempo deles passou. Que agora me
parece difícil, mas se calhar ainda lhe vou agradecer. Que deixámos de ter o
que partilhar, deixámos de nos divertir juntos. Que assim não vale a pena, que
devemos ir à luta, ser fortes…
Está parvo?
Assim de repente? Não podíamos ter falado disto mais cedo? Tentar alterar
algumas coisas? E a casa? Minha nossa, já não tenho idade para isto. Será que
ele tem razão?
Terá outra?
Apaixonou-se pela novidade? Encontrou alguém mais parecido com ele? Alguém mais
bonito?»
Quando, como
no caso ficcionado de Valéria, a separação é proposta por um dos elementos, e
de forma inesperada para o outro, a primeira reação é de choque, de
incredulidade, e até mesmo de negação “Isto não me está a acontecer: É
ridículo! Andei eu a afundar anos da minha vida nesta relação, e recebo disto
em troca?”
Perante um
acontecimento inesperado, todos ficamos em estado de choque. É normal.
Sentimo-nos confusos e assustados. Depois, a seu tempo, quando estivermos
preparados - e atenção que não existe data marcada - vamo-nos reorganizando, recolocando as coisas
nos seus devidos lugares, vamos integrando, aceitando, compreendendo, ou
procurando entender, tanto o passado quanto o presente. Dando um novo sentido à
vida. Isto poderá ser mais ou menos fácil dependendo de cada um, dos recursos
económicos, do modo de se relacionar consigo e com os outros, e de muitos
outros elementos que contribuem para o contexto do que se está a passar e para
a sua forma de experienciar e reagir à situação.
Perante uma separação
inesperada, a sua resolução passará possivelmente por um processo de
compreensão e reorganização. Compreensão de sentires, reorganização de
projetos, de coisas banais e práticas, de cuidados económicos.
Quando a
ideia de separação e divórcio é sentida como muito dolorosa, poderemos pôr-nos
em causa, pôr em causa o ser humano em geral. Mas, a seu tempo, ela pode ser
sentida como uma oportunidade: de descoberta e reencontro com o próprio e com
os outros.
Pode ser
vivida no sentido do crescimento, não negando o que foi bom no passado,
reconhecer o que foi menos bom ou mesmo mau, e seguir de peito aberto ‘para o
que der e vier’. Pode parecer difícil mas é libertador, e poderá até revelar-se
bastante compensador.
Dora Bicho –
Outubro 2015
http://campopsicologico.blogspot.com/
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